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20 fevereiro 2024

Quem senta na ponta, paga a conta – de luz

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Por Miguel Segundo, CEO da Gedisa Energia.

O Setor Elétrico Brasileiro pode – e deve! – passar por significativas mudanças nos próximos meses. A chamada “modernização” do segmento vem sendo discutida há anos e, mais recentemente, com a tramitação do Projeto de Lei 414/2021 no Congresso Nacional, esse debate tem ficado mais intenso. Isso se deve, dentre os principais pilares desse processo, à abertura do Ambiente de Contratação Livre (ACL) ou Mercado Livre de Energia Elétrica.

Para quem não está acostumado com o tema, fica uma explicação simplificada: o ACL é um ambiente onde consumidores, geradores e comercializadores de energia elétrica podem negociar entre si a venda de energia, definindo quantidade, preço, prazo e pagamento, de acordo com as suas necessidades. Acontece que atualmente esse Mercado Livre de Energia Elétrica é limitado a grandes consumidores – é necessário ter demanda contratada de pelo menos 500 kW para sua migração.

Um importante passo rumo à liberdade desse público foi dado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) que, por meio da Portaria no 50/2022, instituiu a abertura do ACL para consumidores atendidos em alta e média tensão (grupo tarifário A) com demanda contratada inferior a 500 kW, a partir de janeiro de 2024. Além disso, o MME também flertou com a abertura do Mercado Livre de Energia para os  de baixa tensão (grupo tarifário B) ao publicar a Portaria 690/2022, em que iniciou  consulta pública para o tema, com indicativo por parte do Ministério de que a abertura poderia ocorrer a partir de janeiro de 2026 para consumidores de baixa tensão (exceto classes residencial e rural), sendo que estas poderiam fazer sua migração a partir de janeiro de 2028.

Fato é que, enquanto não avança o PL 414/2021 e, consequentemente, o Mercado Livre de Energia ainda parece de certa forma distante para os consumidores de baixa tensão, o Congresso Nacional segue trabalhando em outras pautas e outras leis. Um exemplo disso é a Lei Federal 14.120/2021, que previu regra de transição para o fim de desconto na TUSD/TUST (Tarifas de Uso dos Sistemas de Distribuição e Transmissão) para usinas de fonte incentivada. Empreendimentos que solicitassem outorga junto à ANEEL até 02 de março de 2022 e que iniciassem sua operação comercial em até 48 meses a partir da emissão da outorga, gozariam do benefício de 50% de redução nessas tarifas.

A referida Lei causou uma verdadeira corrida contra o tempo e diversos empreendedores se esforçaram para seu pleito junto à ANEEL. Os números são assustadores: foram protocoladas solicitações de outorga para 208 GW em usinas eólicas e solares. Isso representa mais do que a atual potência instalada do Sistema Interligado Nacional (SIN), que é de pouco mais de 180 GW.

Ainda que estejamos falando de fontes renováveis (solar e eólica), trata-se de uma capacidade de geração muito superior à demanda de consumo projetada. Além disso, três fatores devem ser levados em consideração: tratam-se de fontes intermitentes, ou seja, precisam de outra fonte de base para garantir o suprimento de energia (hidrelétricas ou térmicas); a energia gerada por esses empreendimentos será, quase que em sua totalidade, comercializada no Mercado Livre de Energia Elétrica; o desconto na TUSD/TUST previsto na Lei será custeado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que nada mais é do que um encargo setorial que reúne inúmeros subsídios e é custeado pelos consumidores brasileiros; e para escoar a energia gerada por esses empreendimentos será necessária a construção de milhares de quilômetros de linhas de transmissão, cujo custeio, obviamente, sairá do bolso dos consumidores de energia elétrica.

No desenho atual do Setor Elétrico Brasileiro, as consequências da Lei 14.120/2021 levarão uma superoferta de energia elétrica para o Mercado Livre de Energia, cujo preço será pago majoritariamente pelo consumidor cativo, que ainda não goza da possibilidade de ser também um consumidor livre. Ou seja, as tarifas de energia das distribuidoras que já são altas, tendem a aumentar ainda mais, considerando os subsídios que são enfiados goela abaixo nos consumidores cativos de energia.

É como se o consumidor cativo fosse convidado por seus colegas a ir jantar em um restaurante nobre. Ao chegar no local, percebe que a mesa está cheia e o único lugar vago é na ponta da mesa, onde se senta. Seus colegas se deliciam com comida farta e bebida de qualidade, porém, ele não tem permissão para comer ou beber – apenas passa vontade. No final da noite, quando chega a nota, sobra para ele pagar. Afinal, quem senta na ponta, paga a conta.

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